segunda-feira, maio 16, 2005

Um Abraço Completo

Era uma vez um Corcovado… Nascera sozinho, no meio de uns rochedos onde nem flores nem relva fresca podiam chegar.
Esse Corcovado era feio. Só tinha um olho aberto, ouvia mal, coxeava a sua marreca desajeitadamente e tinha um ar sujo de maltrapilho excomungado.
Vivia isolado de tudo o resto, desde o primeiro dia da sua vida. Nunca se importara com tal facto, pois – para ele – o mundo não era mais do que um vil pedaço de rocha escarpada ao longo de uma vasta planície.
Nunca tinha tido contacto com um ser vivo. Habituara-se a viver no meio daquele deserto cinzento… até ao dia em que viu algo que lhe chegava a ferir a vista tosca!
Era uma linda Princesa… perdera-se quando brincava no seu jardim a seguir pequenas borboletas. Uma delas, com as asas carregadas de cores fugira das outras e voara para longe… A Princesa seguiu-a até onde o cansaço o permitia e deu de caras com aquele monstro.
O nosso Corcovado não abriu a boca quando a viu… nem podia, pois ele nem falar sabia! Olhou-a assustado… deveria estar a pensar na beleza da jovem Princesa…
A pequena Princesa, por sua vez, também não dissera palavra. Estendeu-lhe a mão. Não se assustou com aquela aberração pois também ela não conhecia muito do mundo…
Olharam-se por momentos…
Ele pensou… Se eu for com ela vou, sempre, querer voltar para a minha cinzenta solidão... Não sei o que me espera para lá destas rochas, mas encontrarei mais coisas espantosas e surpreendentes… Não posso ir, pois não conseguiria sobreviver fora do meu meio.
Ela pensou… Se eu ficar com ele corro o risco de perder a minha cor, a minha alegria, a minha saúde… Vou saber o que é a saudade e irei derramar lágrimas de insatisfação… Não posso ir, pois não conseguiria arrasta-lo para fora da sua escuridão.
Foi então que ele levantou o olho e reparou num fio de cabelo dourado que deslizava pelo corpo da Princesa, até tocar o chão… Descobrira nela a luz que precisava para viver, a força que o fazia erguer-se do chão, a coragem para se entregar ao desconhecido…
O Corcovado soltou uma lágrima… que rolou pelo seu corpo e foi encontrar aquele fio de cabelo. A Princesa acabava de descobrir que dentro daquele ser distorcido, impotente para Ver bem as coisas; incapaz de se expressar; incongruente nos seus movimentos… estava apenas uma coisa: Pureza.
A Luz e a Pureza fundiram-se num só Ser chamado Amor… pois este é a mistura do que há de melhor e de pior no ser humano. A dor confunde-se com o prazer; a distorção com a clareza; o cinzento com as cores; a confusão com a rectidão; a solidão com a companhia; a cegueira com o poder de voar; as lágrimas com a água transparente; a saudade com a presença; a força com a delicadeza… A morte com a vida…

1 Comments:

At terça-feira, maio 17, 2005 12:32:00 da manhã, Anonymous Anónimo said...

« É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender a sua duração, pois a vida está nos olhos de quem sabe ver»
Gabriel Garcia Marques

E não é que ele tem razão??!

Clara

 

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