terça-feira, maio 24, 2005

Já nao te lembravas...

Entreguei-te a Carta de Amor… aquela carta que tão custosamente eu te escrevi.
Fui cuidadoso na escrita. Pensei no que estava a sentir… Escrevi-a como quem bebe intensamente a sua melhor colheita do Douro… Um apreciador, cuidadoso com o seu resultado, apaixonado e apaixonante…
Em dois segundos leste aquilo… aquela nódoa de papel queimado que já nada de novo tinha para ti. Vi, no teu olhar, o desinteresse de quem lê algo na diagonal, “só porque sim”… mas nunca “por que não?”… muito menos “porque eu quero”…
Atiraste-me à cara um desmotivante:
- “Já não me lembrava que eras assim.”
Pasmei… e depois de pasmar… pasmei de novo… e de novo…
A expressão da minha face tensa tornava-se, agora, dolorosa… Os meus olhos começaram a doer, a minha testa a fechar, as mãos a suar… Baixei os olhos rendidos. Deixei cair gotas de água. Respirei fundo. Deixei-me cair no chão desamparado…
“Já não me lembrava que eras assim.”
Como te lembravas de mim, então?!
Como foste capaz de me esquecer?!
O meu quente coração apaixonado esbarra com esse bloco de cimento gelado que substituiu todo o sentimento… Sinto que me apaixonei por uma estátua de mármore… fria, sem nada para me dar… Ás vezes até parece que a vejo a mexer, mas é tudo falso…
Não sei como te mostrar o que sinto… sempre que penso que estou quase a conseguir, tu… já não te lembras que eu era assim…
Era? Ou (ainda) sou… será que não continuo a ser?
O que é que tu vês dentro de mim?
Quem sou eu?
Que imagem eu dou de mim?
Já nem sei quem eu sou, o que faço, o que me move, o que faz sentido e o que não faz… Pensava que era uma boa pessoa… Afinal, nem eu próprio me lembro que era assim ou assado…
Ao apagares-me da tua memória provocaste, em mim, muito mais do que isso… apagaste parte de mim próprio… roubaste-me aquilo que eu era… fizeste-me esquecer quem eu sou… Já não sei quem sou.
Atiraste aquela carta para a ponta de uma poça de água… Nem para o seu centro tiveste a atenção e o cuidado de a atirar… Deixaste-a cair, como quem se esquece do que trás na mão.
Ela lá ficou… parte dela encharcada…
Talvez alguém passe por ali e se apaixone por aquele rapaz que ainda escreve Cartas de Amor… Talvez alguém te conquiste com aquele mesmo texto… Talvez um dia percebas o que eu sinto… Talvez… Talvez.