terça-feira, março 22, 2005

Um Grito

O que me despertou a atenção foi o seu olhar fixo.
A sua respiração era ofegante. Respirava curta mas tão rápida e intensamente que se fechara completamente no seu mundo. As narinas dilatavam enormemente a cada golfada daquele ar pesado.
A sua testa franzida dobrava as sobrancelhas em “V”, de tal forma que a sua cara parecia estar toda enrugada.
Os seus lábios afastavam-se para desvelarem os dentes sujos cerrados… metiam medo…
Tinha os braços tensos e ia fechando os dedos de forma desconcertada.
Suava…
Aquele ar furioso era aterrador e eu não sabia o que fazer… O que poderia eu fazer? Senti-me frio… pequeno… amedrontado…
De repente, sem que nada suspeitasse, ele esticou o braço todo atrás e desferiu tamanho murro na parede branca… e outro… e outro… 3 poderosos actos de fúria desesperada mancharam de sangue a inocente brancura do momento…
Toda a gente deu conta, virou o olhar assustado… mas assim como olhou para onde não queria, também se afastou de quem queria…
Vi-o cair desamparado no solo, já sem forças, e acabou por relaxar o olhar deixando cair as lágrimas que o atormentavam…
A única coisa que eu não vira fora aquele grito… o grito que permaneceu sempre fechado dentro dele… e que ele tentou soltar…
Como é que se descreve um grito, pensei eu…
Quem é que sabe ver um grito dentro de uma pessoa…
Mesmo quando sentimos esse grito, nada podemos fazer… ou será que podemos?
Abeirei-me daquele corpo esgotado no chão, segurei-o pelo pescoço, e fiz-lhe festas no cabelo, acalmando-o… será que adiantou? Penso que sim, pois agora esse grito vive dentro de mim…