sábado, março 19, 2005

Quero Ser Uma Árvore

Quero ser uma árvore

Quando era pequeno havia sempre um professor que nos mandava fazer um desenho… uma coisa qualquer, usem a imaginação! Falava uma voz distraída, lá no fundo da sala…
Ficávamos metade da aula a fazer o tal boneco…
Nos primeiros quinze minutos eu perdia-me na imaginação… Ia pensando que raio é que eu poderia desenhar! Não deve ser uma coisa difícil, porque senão vou ter dificuldade em acabar o trabalho… mas também não devia ser uma coisa muito fácil pois assim acabaria cedo demais e o professor ficaria com a ideia de que eu era um preguiçoso que nada fazia…
Um dia lembrei-me de pintar uma árvore… a primeira que pintei não tinha folhas… Não porque era Outono, mas porque não tivera tempo para acabar de a fazer!
Tinha encontrado o desenho ideal! De repente, nos desenhos seguintes, já não imaginava qual o raça do desenho que faria agora, mas imaginava como faria a arvore, a minha arvore… A ideia era perfeita! Era rápido a pensar o que fazia… sonhava com a árvore à medida que a ia fazendo no papel… e acabava sempre a tempo, pois uma árvore é coisa que já está acabada antes de ser feita… sem nunca ter um fim…
Tornei-me um pequeno mestre na arte de fazer folhas. Primeiro desenhava o tronco da árvore, os seus ramos, os ramos saídos dos ramos principais, outros raminhos, mais frágeis e pequenos a completar… e depois, consoante o tempo que o professor dava, mais ou menos folhas…
Esse era o tempo em que as pessoas costumavam perguntar-me o que queres ser quando fores grande? Eu não sabia responder, não fazia ideia… pensava, eu não quero ser nada! Quero tornar-me Ar e desaparecer, ser inspirado pelas pessoas para que me Amam… só assim estarei dentro de ti.
Hoje já ninguém me pergunta o que quero ser quando for grande… e sinto tristeza ao aperceber-me desse facto… Pergunta-me! Se me perguntasses eu diria que quando for grande quero ser uma árvore.
Talvez sempre quisera sê-lo, e por isso mesmo comecei a desenhar árvores… primeira daquelas em que as folhas eram simples nuvens ondulantes que pintava de verde… depois, mais a sério, com ramos e com folhas de verdade… Talvez por isso, um dia peguei no caroço de um abacate e mergulhei metade dele num copo de água para ganhar raízes. Quando estas estavam suficientemente fortes abri um buraco na terra do canteiro da varanda e enterrei a minha futura árvore… que cresceu… cresceu tanto que o canteiro da varanda de casa teve medo de quebrar…
Hoje em dia já não devo saber desenhar árvores… mas sei abraça-las… não resisto… sempre que tenho oportunidade envolvo os meus braços num tronco de árvore majestático e encosto a bochecha junto dela… cedo começa a sussurrar-me as suas historias de Amor, as suas viagens por paraísos desertos, a sua saudade…
Queria ser uma árvore… queria mesmo ser uma árvore, e hoje sei o porquê…tal como uma árvore eu vivo sozinho, afastado do mundo. Tal como uma árvore eu preciso de espaço para crescer, preciso que me deixem livre, que não me prendam, que me deixem expandir-me…
Uma árvore não cresce colada a outras árvores! Precisa de ter o seu raio de acção… uma árvore, para crescer, precisa de espaço à sua volta... não pode ter outras árvores em cima de si a prende-la...
Queria ser uma árvore porque também eu sou forte, não quebro, não cedo. Enfrento ventos e marés de peito feito e estou sempre erguido contra as adversidades que a vida me impõe.
Sobre esse tronco vigoroso de uma árvore caem os seus ramos… como as minhas mãos cheias de carícias para dar… As flores, os frutos… as meiguices, os afectos…
Quero ser uma árvore.
Quero mesmo ser uma árvore… porque, a vida, muitas vezes, tenta derrotar-me… com o frio, a chuva, o vento… as minhas folhas amarelecem e mais tarde caem ao chão… Essa vida madrasta despe-me, deixa-me quase sem forças e indefeso…
Mas é nesses momentos (nesses Outonos ríspidos e nesses Invernos friorentos) que as minhas raízes se expandem para debaixo do solo, para dentro do meu coração, enriquecendo-me, tornando-me cada mais forte, mais sincero, mais atento, mais vivo… São esses momentos, em que tudo parece chegar ao fim; em que tudo dá mostras de rendição; em que tudo é tristeza e agonia… que o Sol volta a brilhar com intensidade. É aí que chega a primavera e o verão. É aí que eu, árvore que sou, posso voltar a encher-me de folhas novas, folhas verde-vivas, alegria e vontade… Crença.
Hoje já sou uma árvore… passei o Inverno a expandir raízes, a tornar mais forte o coração… para que, agora que aí vem a primavera, eu possa mostrar o quão belas são as minhas folhas…


Um fim implica sempre o início de algo mais...

5 Comments:

At domingo, janeiro 08, 2006 8:28:00 da tarde, Blogger rita said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

 
At domingo, janeiro 08, 2006 8:29:00 da tarde, Blogger rita said...

"Hoje em dia já não devo saber desenhar árvores… mas sei abraça-las… não resisto… sempre que tenho oportunidade envolvo os meus braços num tronco de árvore majestático e encosto a bochecha junto dela… cedo começa a sussurrar-me as suas historias de Amor, as suas viagens por paraísos desertos, a sua saudade…"
Talvez já não leias este comentário (e será que isso importa?), mas não resisto a dizer-te que esta tua história, sobretudo esta passagem saint-éxuperiana, encheu os meus ramos frágeis de orvalho interior...

 
At terça-feira, setembro 01, 2009 5:56:00 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Incrivel adooorei seu texto!
Eu tambem sempre me achei meio arvore!

 
At terça-feira, setembro 01, 2009 5:57:00 da manhã, Anonymous Anónimo said...

meu nome é Daniele!

 
At quarta-feira, setembro 02, 2009 1:42:00 da manhã, Anonymous Nuno Marinho said...

Olá Daniele, obrigado por me teres feito lembrar este texto e este momento da minha vida! Fiquei curioso em como descobriste o meu blog. Agora escrevo mais em www.myspace.com/nunomarinho Adiciona-me no msn para podermos falar :) nlrmar@hotmail.com bjbj, Nuno

 

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